Ellen e Karin

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+ JOÃO E VICENTE

Com a gente aconteceu de forma tão natural que, na escola, quando perguntavam, meu irmão dizia “Ah, minha mãe? Ela namora a Kaká!”, daí eu o apertava e ele logo falava “O que é, João? É isso mesmo!”. Eu ficava com raiva, meio tenso, mas nunca sofri zoação de amigos, todo mundo encarou numa boa. Hoje em dia, quando me perguntam, eu falo que tenho duas mães. E as pessoas acham que a minha família vai ser uma coisa diferente e eu digo que não, que é a mesma coisa. A gente almoça, toma café, conversa, briga, faz tudo. É um preconceito da sociedade pensar que, porque alguém tem duas mães, então a família dele é diferente. Não tem diferença nenhuma. Deveria ser algo mais natural, porque para nós é totalmente natural.

Quando me separei do pai deles, fui à escola falar direto com as coordenadoras, elas acompanharam a separação. Foram pessoas incríveis que nos ajudaram muito. Quando eu fui lá, seis, sete anos depois, para dizer que estava casada, elas vibraram: “Quem é ele?”. Aí eu falei: “É exatamente isso, vim conversar com vocês porque não é ele, é ela, é a minha mulher, a Karin; mas pode ficar tranquila, não estou traumatizada, vou trazer ela aqui, ela é minha mulher, e não quero nenhum tratamento diferente com os meninos”.

Uma coisa que as pessoas costumam falar da gente é que somos uma “família exemplo”. Nós rimos, mas isso é muito em função da nossa postura; sem hipervalorizar o fato de sermos uma família “não padrão”, mas também sem tirar o valor disso. Temos a mesma estrutura familiar, no sentido da divisão de tarefas na casa, do espaço de colocação nos diálogos. Há espaço para cada um ser o que é. Temos nossos problemas, claro, como todas as outras famílias. Mas acho que faz diferença na hora que você se coloca: essa aqui é a Ellen, minha esposa, esses aqui são João e Vicente, filhos da Ellen, meus enteados – eu nem gosto dessa palavra, mas sei que esse é um lugar diferente, porque não é o lugar da mãe, nem do pai. É um terceiro lugar, que tem outra ação, de reforço. Essas funções são bem entendidas entre nós.

Há pouco tempo nós fomos ao aniversário de uma amiga que é gay e, na festa, havia várias mulheres. Era um jantarzinho íntimo, umas dez pessoas. Uma delas é casada com uma mulher há nove anos, a mulher dela também foi casada com homem, mas os filhos – uma menina de 14 anos e um menino de 11 – não sabem que elas são casadas. Moram na mesma casa, nesse mesmo esquema, vão para a casa do pai, voltam… Bem, elas pensam que não, mas com certeza eles sabem. Elas só não falam a respeito. Eu perguntei “Como assim, vocês não falam?” Ela respondeu: “Eu não sei. É complicado”. Eu cheguei a dizer “Sai daqui hoje e conversa com sua mulher. Porque daqui a pouco eles vão saber, e vão ficar revoltadíssimos.” Eu converso sobre isso com meus filhos com o maior orgulho, eles têm a maior sorte de ter duas mães.

Ellen Miranda (coordenadora de loja) e Karin Palhano (designer), juntas desde 2005.

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